e vai, reto sem perdão

Os dias se passavam assim, do hotel para a escola, da escola pra casa, da casa para o hotel. Morava na 504 Sul, em cima da W3 em um conjugado de dois escritórios. O que davam dois quartos, mais um sala, cozinha e banheiro. Em seu quarto, tinham duas janelas grandes, que deixava transparecer as duas pistas, mão e contra-mão, e os carros velozes, buzinantes, com seus passageiros que mais pareciam fantasmas, à noite, por parecerem sempre imóveis e resolutos. Passava horas de lendo um dicionário francês e nomeado cada estrelinhas com o nome que achasse mais chique – claro que garcon tinha sido a primeira; uma de cada vez, de um universo que o Big Ben se dava quando apagava as luzes, eram adesivos fosforescentes. Mas o que mais gostava do seu quarto era o retrato de sua irmã. Que há anos não via, pois tinha ido para o Rio de Janeiro com sua mãe. Um retrato de sua irmã mais nova, ou melhor, um retrato dos dois. Demorou a se reconhecer; com os cabelos lambidos, e olhar puro. Lembrou de uma vez em sua infância, em um dia ensolarado, um sábado à tarde. Seu pai estava em casa, sentado curvo dedilhava o piano. Estava bom, ele ia do agudo e passeando com os dedos até bater na porta dos graves. Como era bonito, seu pai algumas vezes parecia ser iluminado - mas apenas quando fazia coisas simples, corriqueiras. E chega sua irmã, Yeda, de colan de balé comendo aquele gostoso mash potatos, que a mãe fazia. "Hm purê de batata. A melhor memória que há, ou pelo menos a mais real, é a do estomago", pensou.
-Você quer pegar sua amiga; vá pegar sua amiga. Se você botar o purê na pontinha do nariz. - enquanto dava rodopios, sua voz de bebê menina docemente falava: - Você vai dançar como nunca dançou antes. Mash. E ria toda vez que olhava, e sentiu lá no fundo um remorso, uma nostalgia.

Freqüentava os colégio Salles, era um mediano, assim como vivia ele. Estava na 4ª série e não encontrava dificuldades nas matérias. Sentado na aula de Ciências Socias, ouviu o professor falar do meio ambiente e quais os estragos que o ser humano estava fazendo. Seu amigo Júlio, um menino moreno de cabelo crespo, alto para a sua idade, tinha os cílios, mas curvados que o normal, parecia usar o curvex e vestiam o uniforme verde claro e com as cores e brasão do colégio. Ele e Fausto eram muito amigos, ficavam sempre juntos no intervalo, falando de meninas, futebol, figurinhas, aventuras; enfim coisas de garotos. De vez em quando se arriscavam a jogar, mas não eram tão bons, sendo logo escorraçados da disputada quadra principal, podiam jogar nas quadras de baixo, mas em os olhares interessantes dos transeuntes que passeavam por aquela parte do pátio, que ficava no meio do colégio. Então desistiam e iam comer alguma coisa.

- Um pastel de carne e um refrigerante, tia – disse Júlio e sacando do bolso moedas e uma nota. Enquanto Felipe olhava para o cardápio da cantina, nomes comuns e baratos, para quem estava acostumado a ver no hotel nomes chiques e preços mais ainda.

- Vou querer um chocolate, por favor – disse Felipe com sua educação costumeira. Pagaram e voltaram para aula.

O ambiente do colégio às cinco da tarde era assustador, principalmente em dias chuvosos. Já ouviam os carros apressados buzinando, o frisson dos alunos de internato indo embora, e ele lá, preso. As paredes dos corredores eram do mesmo verde que seu uniforme, o que lhe fazia lembrar de hospitais, tinham também dividindo a parede em dois, tacos de madeiras, que iam reto sem perdão até a janela escura. A temperatura abaixa, a tristeza toma conta; mas pelo menos, é a última aula. De que mesmo? Ah! De português – pensa consigo. Assistiu à tediosa aula proferida pelo professor Perez, um baixinho nordestino, que estava velho, cansado das intermináveis reuniões pedagógicas e métodos de ensino. Ao fazer chamada levantava os óculos para além das sobrancelhas, e como se tivesse grudado pela melhor cola do mundo, parecia não cair por nada. E com seu sotaque característico, no começo da aula, dizia:

- Vamos fazer a chamadinha – o que gerava sempre risadinhas, os alunos da 4º “E” não cansavam de ouvi-lo.

Percorreram tediosamente os mesmo corredores verdes; ia com Júlio. A mochila estava pesada, nela continham livros de todas as seis aulas que tivera. Foram para a entrada do colégio, de frente para a W4, onde é claro, a mãe de Júlio já o esperava. Ela fazia isso todo dia; mas ainda sim, Fausto, sentia aquela pontinha de dor. Seu colega foi-se embora e ela seguiu para a parada de ônibus. Andando pela casas das setecentos, calmamente, lá de longe já ouvindo barulho da W3 norte.

Um barulho imenso explodiu em seus tímpanos, todos os seus músculos crisparam de uma só vez. Gelou-lhe o coração, o fazendo ficar imóvel. Após o susto, reconheceu ser um latido de cachorro – um pastor alemão, para ser mais preciso. Pensou, tirou as mãos do bolso e botando na cintura, e seguiu, tão logo parou; voltou, e não sabendo por que, começou a olhar o cachorro. Botou pensamentos ruins em sua cabeça, e olhava de tal forma que sentia aos pouco os olhos saltando de sua órbita normal, queria olhar para o fundo dos olhos do vira-lata, atravessar por dentro seu corpo e poder dar um choque em seu coração proporcional a que ele havia sentido.

-Maldito seja – falou rangendo os dentes. Aquele susto o incomodou por demais, queria se sentir vingado, que de fato ocorreu. O cachorro no começo latia mais alto que antes, mas ele começou a recuar, ao passo que Fausto deu um passo para frente. Sentiu o cachorro hesitar, e assim prosseguiu, vendo que seu oponente se mostrava confuso. De súbito, gostaria de imaginar como estaria sua face ante ao espelho. Após um minuto se cansou e continuou sua trajetória. Na parada havia seis ou sete pessoas, nenhum particularmente interessante, só trabalhadores esgotados. Com as roupas das empresas, geralmente de cor cinza, para passarem despercebidos e serem apenas peças de um maquinário gigante; enquanto os donos de roupas rosas ou roxas. Fez o sinal com a mão e subiu pra o ônibus que seguia em linha reta para a W3 sul. Subiu os degraus devagar, pois já estava cansado da jornada escolar. De quando em quando, pensava se poderia vir a ser parecido com esses rostos anônimos. Como toda criança procurava sempre que dava sentar-se perto da janela; o que o fez dessa vez por haverem vagas. Três paradas depois, subiu mais gente, e uma delas se sentou ao seu lado. Era uma moça de uns 30 anos, que exalava um cheiro bom. Além disso, só podia reparar em sua calça jeans e sua blusa branca, pois estava muito entretido com o trânsito; quando não se dirigi este parecer ser muito mais interessante do que realmente é. Tinha saudade do pai, que apenas passou a mão em seus cabelos e deu um beijo em sua testa, que ele mal percebeu por não estar acordado direito, e provavelmente não iria nem sentir os mesmo afagos quando ele chegasse na alta madrugada. Tinha os horários avessos aos de Felipe. Em sua parada puxou a cordinha e foi-se. Desceu do ônibus, viu uma W3 sul lotada, com vários carros e suas luzes ofuscantes, e a parada em qual descera estava lotada. Comprou um chiclete e seguiu para casa. Ia a passos exaustos ao longo da via, esta que era sua fiel companheira e vista predileta.

Atravessou a rua então, rumando à entrada 23. Rodou a chave duas vezes, e na fechadura, já velha, tinha um velho truque, puxar a porta para si e fazer com as mãos um tremelique. Subiu apenas um lance de escada e pronto, estava em casa. Papai o Alor já estavam lá, não havia serviço extra hoje.

-Papai! – e lhe deu um abraço bem apertado, e sentindo que o pai lhe correspondeu.

-Como foi a escola hoje, meu filho?

-Ah, a mesma coisa de sempre. Aprendi hoje como funcionam as veias e o sangue. – disse ele falando a primeira coisa que se lembrava das seis dolorosas horas que passara naquele colégio maldito.

- Bom, temos bolo de baunilha e café ou achocolatado; o que vai ser?

Tomou ser achocolatado com o bolo, e rumou para seu quarto estrelado. E seu pai falou que era tarde e apagou a luz. Na escuridão, pensou duas vezes e numa voz de tristeza disse:

- Mas papai, nem um pouco de tv?

- Não - disse seu pai com uma voz autoritária, não o dando oportunidade, ou coragem de lhe fazer a réplica.

Então, ficou com os olhos abertos no escuro, que só era iluminado pelo o sem fim de estrelas francesas que estavam em seu quarto. O que haveria depois das nuvens, do céu?

O sono veio de leve, passando desapercebido pela a criança. Quando se deu por si, estava em uma canoa com um amigo urso indo desbravar os mares. Mil aventuras que ele passou, sem saber lhe detalhar. Os sonhos quando ele acordava pareciam fugir pelas pontas dos dedos, que ele começava a formular frases para descrevê-los e como borracha ia se apagando, para o fundo da sua memória. Acordava ou feliz ou triste, sem saber o por que. Quando se lembrava, as descrições eram borradas e sem graças; portanto, mantinha só para ele.

Comments

Bassáltamo said…
alguém viu o jacques ratsen? dizem que está solto, sendo um guia religioso na Índia. Na cidade de Panglesh, onde 10 anos antes, Paul Silbert, tudista, com um mercenário cor de jambo.

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