um sonho ruim com você

Quase no meio do campo, presumiu Fausto. O quadrado imenso de grama verde, dessas comuns que nascem em qualquer coco de bebe, milimetricamente medido. Tantos pra cá, outros idênticos tantos pra lá. Pronto! Igual! Algumas nuvens, chatas e cinzas, mas algumas com tons especiais. Rosa desbotado, a cor da pipoca doce; e Fausto gostava com muita manteiga de garrafa, e quando conversava com o Seu Jair, e seu radinho pegando as ondas sertanejas. Ô pipoca boa era aquela, sua boca enche d´agua, nas mãos o óleo da manteiga era percebida aos poucos, e inundando aquele papel acinzentado e o transformando num cinza quase preto. Olhava para frente, para depois lançar os olhos por sobre seus ombros à esquerda e a Esplanda continuava iluminada do amarelo dos carros, e tremeu frio, sentiu suas mãos molhadas, mas andava tranqüilo como sempre foi; uma tranqüilidade de doidão. Sempre achando que tem alguém olhando para ele.E Vupt!, um vulto passa ao seu lado, não tão perto para tocar. Olhou. Era um seu ninguém de calça jeans salpicada de água sanitária, sapato trabalhador - preto e igual -, camisa cinza ou azul, carregava um saco de supermercado que parecia mais um ninho, com cinco ou seis sacos sobrepostos. Carregava o saco com receio, junto ao peito. Fausto se irritou, sem nenhum motivo, talvez pela covardia daquele homem que se arrasta como um bicho, admitindo ser a escoria. Era uma cair de tarde cinzenta. Da plataforma da rodoviária se viu o sol se pondo, e as luzes ministeriais se acendendo. Os transeuntes que passavam naquela terça estavam na calçada, indo e vindo, mas se espalhavam ao longo daquele imenso gramado, para no final dar no maior prédio de Brasília, uma nave espacial. O que eu vou ser quando eu crescer?

Sentiu um amargo no peito; uma vontade de chorar, uma vontade de sentir sua mãe lhe dizendo que tudo vai ficar bem. Mas se sentiu agora tão só, sem rumo, sem eira nem beira. Havia que ser assim, dessa forma tão soturna, só, em um gramadão, perceber não era mais criança, a meninice indo embora; tudo isso aos treze anos de idade? Não queria mais sentir o gosto aveludado da pipoca rosa desbotada; o que queria? Sentir seu punho acertar repetidas vezes o fulano dos sacos e o gosto das gotículas de batendo em seus lábios, línguas e dentes. Assim poderia se sentir um adulto, galgando na vida, entre passos esbaforidos e respirando vez sim, vez não. Como não podia bater no Zé, se flagelou pelo medo e hesitação, com suas unhas de uma semana, beliscou seu próprio braço, até conseguir um pouco de sangue para usar nas unhas. Travou a mandíbula, pegou uns trocados que tinha no bolso, separando a passagem, e se dirigiu às pilastras da Rodô, onde ficam os vultos da cidade; uma pequena esquizofrenia. Aproximou de um qualquer, aleatoriamente e propôs:

- Compra uma carteira de cigarros, me dá metade e fica com a metade.

Levantou um velho, que mal podia ser visto por trás da braba branca e com meia dúzia de dente na boca e levantou cuspido.

- Cadê esta merda? - e ergueu as mãos sujas, que Fausto olhou rapidamente que só se destacava pelas linhas da vida, fortuna e trabalho muito acentuadas, como se aquele homem não pudesse fugir do seu destino, estava marcado nele. Nessa hora sentiu um bambear nas pernas, mas deu o dinheiro, sem querer encostar muito nele, sem fazê-lo perceber, claro.

- Cuida das minhas merdas aí porra? – balbuciando, agora que havia se levantado e despertado para a gravidade; trocou os primeiros passos, mas depois foi a banca que havia após a pista de acesso dos ônibus. Não demorou em que voltasse com a pior das marcas, aquelas: filtro e veneno de rato, filho do cão! Trocou a marca menos rude, da qual era adepto por essa, pois queria uma cachacinha e não vacilou um só instante ao enganar Fausto, que para ele era só um vulto também, talvez nem mesmo existisse. Chegar assim com um pergunta tão estúpida. “Pode ser uma criança” falou baixinho, sua consciência, que logo olvidou tudo, quando babou ao ver um copo de 300ml de pinga da boa. Virou, que virou, que já foi para dentro, para mais tarde na madruga, para fora. Já ia para seu cafofo, quase esqueceu.

- Ô doidão, seu cigarro! – gritou o empregado da banca de bigode liso.

-Aí moleque, tá aqui seus cigarros, esses são para os machos. E vai pra puta que te pariu. Some daqui! –gritou completamente bêbado. Fausto virou e só ouviu os barulhos do corpo velho cair na sua casa velha.

Saiu dali, pediu o fogo emprestado para uma velha cega que apesar de estar no escuro, não deixava de erguer a cabeça, orgulhosa.

- Me dá o fogo? – perguntou Fausto, com a voz mais grosso que sabia fazer.

- Por favor de quê, senhora? – disse ele em um tom firme e meigo de avó.

- Por favor. - disse

Comments

Anonymous said…
Já lhe disse que gosto das idiossincrasias do Fausto? pois é...gosto bastante.
Me lembra Holden Caulfield, o anti-herói de J.D. Salinger.

Renatta.
arghlemonster said…
...ali na RODEAUX dá pra garimpar posts todos os dias, gostei desse moleque aí.

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