ventiladores


Na comercial da 506 Sul, atrás da padaria, perto de um cotoco de madeira onde os sargentos aposentados jogavam dominó de manhã, perto da árvore nova que oferecia pouca sombra. Restava Teresinha, imóvel, como uma estatua grega, querendo conter o choro em sofrendo com isso. Calculava inúmeras vezes em sua pequena racional cabeça: 1º de janeiro de 2008, menos, 1º janeiro de 1972, igual a ... Não ousava falar. Ricardo era sua ultima oportunidade. Bom com ela, bom rapaz. Já havia começado a pensar em passar o resto da sua vida com ele. Pouco mais de cinqüenta anos. Precisava achar alguém. Alguém bom, como Ricardo que tinha os poucos cabelos muito bem acertados em sua testa de nordestino misturado com paulista. Mantinham as unhas curtas e limpas, sempre. Seus óculos eram limpos ao menos 3 vezes a cada 30 minutos. Tinha os lábios muito agradáveis de beijar e não era muito assanhado. Ele não ia ser o primeiro, mas com certeza iria ser muito bem recebido, pensava ela. Realmente achava que chegara sua vez. Como contaria a papai, minhas irmãs. Que horror! Pensou em mais tarde passar para conversar com sua mãe, Dona Elza, falecida há 10 anos.

Helzinha era uma santa, adorada por toda a vizinhança, colecionava apenas os olhares de inveja que tinham todos sobre sua vida triunfante. O marido Seu Oslvado ia, vagarosamente, caminhando para uma boa aposentadoria bancária.Tinha filhas comportadas, de família, educadas e um ótimo partido para qualquer rapaz encantador. Porém a morte em Veneza chegou para Dona Helzinha, câncer.

Mas Ricardinho! Disse ela já explodindo em lágrimas. Por quê? Ele movimentou os braços de forma preguiçosa, como quem diz: não vou lutar nem um pouco por isso que temos aqui. Tchau. Bonne chance. Afogada em pânico, com o estomago latindo foi se arrastando para o carro. Trancou a porta e deu um berro, que assustou até Teresinha. Bateu no volante várias vezes. Deparou-se com a aliança estúpida que ele tinha lhe dado, onde gravaram seus nomes. Você é meu. Não, você é meu. E arrancou de seu dedo, fazendo um rastro vermelho por todo seu anelar. Amar é sofrer. Mordeu com toda a força do maxilar aquele círculo de inferno. E exausta desabou a chorar. Tudo no estacionamento da vaga da 306 Sul.

Não conseguia dirigir só ficar com raiva, queria fumar a porra de um cigarro. Mas Teresinha não fumava, só experimentou uma vez. Mesmo assim, voltou a padaria, onde sua vida foi despedaçada, e pediu um maço. A primeira tragada foi lenta e ardida seguida de tosses violentas e secas. Deu mais uma, agora com as mãos tremendo. Essa mulher pensa em suas unhas descascadas e do cheiro úmido de suor e lágrima. Menstruação na hora do sexo. Engole. E não ter a consciência que nunca chegou a um orgasmo. Seu útero agora se suicida, não vai perpetuar, parir. Essa flor não desabrochou, querida. Seus peitos pretificaram, seus cabelos viraram serpentes. Ficou daltônica, não sentiu o cheiro. Mas podia gozar. Ficou solteira.

Comments

Poeta Punk said…
Caralho maluco!!!!gostei demais!!!muito bom!!!gosto dos seus contos que se passam aqui na angulosa e tombadíssima!!!belas descrições!!!pude ver tudo acontecer!!!!abraço irmão!!!

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