Dave Foster Wallace RIP


A primeira coisa que li sobre este autor exaltava seu talento, demonstrado pela ambição de sua mais notável obra, o romance Infinite Jest, de 1996. Se você ainda não leu este livro, não perca mais tempo, encomende sua cópia. É meu romance favorito, diria se a preguiça já tivesse permitido ler toda a lista acumulada aqui na estante. Digo, então, que é o romance que mais me impressionou. É dele que falarei aqui, apesar das várias outras coisas que DFW escreveu.

Por tantos motivos… múltiplos motivos e atributos, concentrados em mais de 1000 páginas (das quais umas 200 são notas de rodapé), em diversos personagens, cenas, narrativas. Tomará algum tempo, mas de forma alguma será tempo desperdiçado. Tanto que ele consegue, he pulls it off, faz com que você leia todas elas, utilizando um marcador para a história e outro para as notas (esta é a primeira dica que os veteranos de IJ dão); o livro é mesmo tão bom que, logo você lê sua última página, torna a consultar a primeira (primeira provocação dos referidos veteranos).

Sua qualidade que mais gosto de falar pros outros é a capacidade de amarrar tanto material num livro, tantos temas e referências e técnicas, constituindo o hipertexto mesmo como estilo. Você logo percebe que o texto é tão fluente, tão auto-ciente, que as centenas de notas de rodapé do apêndice não são somente necessárias, mas devidas! Que a obra de uma autor de tanto engenho deve, mesmo, transbordar, que sua forma não lhe basta, é extrapolada pelo virtuosismo com que é narrada. E por que tanto sofrimento, esse calvário, pra que escrever (ou ler) esse treco de milpágina? Pra provar um ponto.

Que a literatura ainda (então no século XX, já era do vídeo) é relevante, que é possível e urgente as pessoas encontrarem uma experiência sincera sobre sentimentos verdadeiros que lhes dizem respeito, numa mídia que não lhes menospreza a inteligência. Que a recompensa está no desafio de pensar, ajustar-se ao outro. Também, que de tão exibido seu autor, tendo motivando a leitura do calhamaço com paródias, humor, wit, conta afinal uma história muito triste, de tragédias e injustiças de arrancar lágrimas, povoado por personagens cativantes embora emocionalmente retardados.

O livro, que fala de tênis, cinema, física, terroristas (…), trata sobretudo das escolhas que fazemos sobre como nos entreter, sobre vícios e deficiências, num mundo frenético, imperialista — e relacionamentos humanos, apesar de tudo. Temos, entre os vários personagens, dois que mais se aproximam de protagonistas (e se tornaram queridos no coração de muitos leitores-de-livros): Hal Incandenza, um jovem brilhante e atormentado, prodígio do tênis e da lexicografia, estudante de um internato/academia-de-tênis construído por seu pai, James O. Incandenza; Don Gately, um brutamontes de bom coração, recuperando-se de seu vício em narcóticos/vida criminosa numa casa de reabilitação. O título, Infinite Jest (um trocadilho e uma citação de Hamlet), também é o nome de um filme dentro da história, dirigido pelo pai de Hal; uma vez que se assiste à fita, não se quer mais nada, só assistir até a morte, no repeat.

Que mais dizer? Tentei fazer do suicídio do Wallace (revoltante, desesperador, nunca (em vida) trocarei uma idéia com ele) um post aqui que instigasse curiosidade pela obra, somente, que tenho certeza, basta por si, torcendo pra que não a leiam com o fantasma do cara pairando. Se há um fantasma ali, plotted, pra qual o livro é mapa, arrisco dizer que seria o James Incandenza. Pra quem já leu, creio que esta idéia ressoa na cabeça de forma mórbida? Pensava no Wallace se vendo mais ali no Hal, gênio sem expressão, não a coisa do autor interpretado em sua ausência, suicida, sombra…

Fica em paz, Dave Wallace, tuas carpideiras já te choram em hipertexto =~

Texto: Adriano Assis Brasil

Original no: http://www.bandawatson.com.br/site/?p=117

Comments

Popular posts from this blog

2 0 0 9 20 0 8 0 6 crisanta

Seiva Bruta

VoltaatloVoltaatloVoltaatloVVoltaatloVoltaatloVoltaatloVVoltaatloVoltaatloVoltaatloV