quadros


Quadros de areia.


Havia uma camareira chamada Carmem, que possuía uma bondade infinita, mesmo com as agruras que a vida de pobre a havia submetia. Tinha um olhar condescendente; pronto para a ouvir e dar conselho cristão a todos que por acaso a procurasse. Ela tinha não mais que um metro e meio, cabelos curtos e ondulados acobreados, por alguma tinta barata. Gostava muito de Pingüim, tendo Fausto em alta conta, e o via com um filho; na verdade, via todos como filhos e só queria o bem deles. Ela fora muito bonita, em algum lugar perdido no meio da Natal. Era filha de um servente, seu Paulino, um homem severo, porém correto, que lhe deu uma perfeita educação cristã. Fez seus estudos até a 8º série e teve que parar para ajudar sua mãe na confecção de garrafinhas de areia; que ilustravam temas praianos, como canoas, com pescadores e coqueiros, bem típico nessas cidades em que o mar é o seu fascínio e fonte de renda. Quando estava na praia do Careca vendendo seus artesanatos, um homem, chamado Carlos, a chamou atenção. Ele tinha um fala devagar e bastante acentuada pelo sotaque local; bonito, com os cabelos meio parcos, mais com uns olhos verdes, cor de fundo de mar em um dia bem ensolarado. Era capitão do Mar vermelho, um barco de médio porte. Mas as rendas todas eram tragadas mulheres, bebidas e ervas.
Um dia, onde o sol começa seu banho, no mar, e ficava raiado de vermelho para aonde pudesse se ver além mar, às 6 e meia de tarde, quando o lobo do mar volta, salgado. A pele é ressecada e parece terra. Os homens do mar, sempre tem os olhos escondidos, pés de galinhas aos 30, no máximo. Para é quando dizem adeus sempre está com cara triste, mas sua verdadeira face está imóvel, impassível, duro como o bater na âncora no fundo mar. Seco e grosso. Então Era Carlos, andando contra o quebra mar, com um peixe na mão e gesticulando muito para Carmem, ela estranhou, o que o moço bonito vai falar. Disse ao seu pai que iria se encontrar com Roseane, sua prima, e esticariam para a boate Armas D´agua (sic.). Voltariam antes da meia noite. Mas quando sua prima chegou, ela não estava mais lá. Foi para a gruta do coco com Capitão, um (peixe de água salgada) e uma garrafa da caninha boa, que ele trouxera do litoral pernambucano. E, foi assim que ela perderá a virgindade, deitada de bruços sentindo a areia roçar em toda a extensão de sua pele, machucando; mas, era até gostoso - pensava ela, enquanto o Capitão penetrava nela, cada vez mais forte, com um ritmo exato, assim com a maré do mar. Sentia ele a conduzindo, quando pegava seus cabelos e enrolava em três tempos na mão e puxava, e era acompanhado por um grito , que muito bem podia ser entendido como uma ordem a estibordo. Fazia uma noite linda, a lua fazendo sombra, e era espelhada no mar calmo, que de vez em quando se fazia notar para Carmem, que estava nua da cintura para baixo brincando na areia com suas pernas.Ela lhe disse:
- Você é homem que sabe tudo, vivido, quero aprender tudo com você. – enquanto passava agora as mãos em seu corpo sardento do sol.
- Carminha, você é mulher muito boa e prensada para ficar se ajuntando com marujo vagabundo. Tu mereces homem bom, direito. Não um caramujo do mar que está em qualquer lugar, na lida com os peixes. Mulher minha mesmo, só Iemanjá.
Vendo ele calmo, fumando sua palha e terminado a cana, fazendo bico para beber tudo, não acreditava que aquelas palavras estavam vindo de criatura que repousava tão tranqüilamente. Seu Boto! – gritou Carmem se sentindo ultrajada. Recolheu as roupas e partiu em retirada, pisando fofo na areia gelada que delimitava tão bem seus passos. Veio tentando se refazer antes de chegar em casa, e ia tagarelando a si mesma, sentindo a baba escorrendo de sua boca, arregaçada de tanto esconder o choro. Olhou para a sombra de sua casa e viu a silhueta de seu pai esperando com uma cinta na mão.
- Sua filha de uma cadela, puta mal parida. Fica se deitando com qualquer um no areal. Não criei filha minha para ficar se esfregando de rela rela, com caboclo nenhum. Venha cá, sua negrinha!
E o barulho seco da cinta de couro de cabra, estalando e fazendo arder onde tocava. Suas roupas foram jogadas em sua cara, enquanto permanecia toda família em pé, na porta da casa; imóveis. O direito de um pai, esse direito; certo e líquido, de preservar a honra de sua família, segundo os preceitos antigos dos homens de boa fé, e temor a Deus e obediência a seus princípios. Então se encontrava suja, tocada pelo prazer da carne. O que faria de sua vida. Eram três da matina, mas o tempo se apresentava a ela sem muita razão de ser, eram lapsos temporais, que remanescia confuso. Andou por quilômetros, revendo os atos e decisões que a levaram a estar na praia, sem rumo para vida. O sol começa a surgir lá longe, andava perto de onde as ondas morriam, e via a terra respirando. Ainda doía sua racha, sentia no roçar das pernas um sangue seco; onde o sangue da paixão deu lugar à poeira. Decidiu entrar no mar, se lavou inteira, até lá dentro, para limpar aquele homem que lhe fizera tão bem e tão mal. “Marinheiro, filha de uma puta! Me comeu para marcar território. Parece bicho!”. Pensou em se afogar, quem daria por sua falta agora que foi renegada por seu pai. Mergulhou para baixo, o máximo que pôde, e prendeu o ar. Olhou o mar de baixo para cima, o mar lembrava uma gelatina de maça verde. Lá no fundo lembrou do Capitão, foi bom, não? Então pronto. No meio de seu sonho ouviu um choro, que tava quietinha lá longe, e foi crescendo, até que Ela num súbito, nadou para a superfície; já quase sem força. Aí subiu como uma bala, e deu um suspiro profundo. “Em bebê?” Pensou ela, ainda gorfando por vida.
Bateu na porta de sua madrinha Celinha, para pedir amparo, esta mulher rendeira de coração puro como pérola, lhe deu um bom prato de caldo de peixe e água com açúcar para acalmá-la. Enquanto esta contava o desenrolar da sua primeira noite”.
-Mas dinda, ele era tão lindo, com seus olhos verdes cor do fundo do mar, aquele corpo forte, que podia levantar o mundo com o braço. Disse-me coisa tão linda, de sereias e ilhas perdidas, me amou tão intensamente. Foi um amor à primeira vista, O que faço agora tia?
Os olhos da senhora complacentes davam conforto para a pobre menina, que havia sido pega sem dó naquela rede, onde para ela, pobre criatura sem malicia, não havia escapatória. Pode ficar aqui comigo, mas seu pai não ia te deixar em paz, deve estar com muita raiva de tu. Não vai te dar sossego. Ô homem doido. Anjinha, você tem que fugir para longe daqui. Durma bem essa noite meu anjo. Amanhã, ou hoje, num sei, nós dá um jeito. Dorme bem! – e passava as mãos nos cabelos, antes dele, agora dela, com um jeito maternal; para que a pobrezinha pudesse esquecer essa noite. Logo pela manhã, acordou com as duas mãos na barriga, sentiu vontade de acariciar-se, vontade sem base. Percorria, fazendo cócegas em seus pêlos abaixo do umbigo, e soltou um riso, que gentilmente se transformou numa risada, para logo uma gargalhada.
- O quê foi minha filha? Perguntou à afilhada
- Tenho que ir embora, para longe do mar. Iemanjá não gosta de mim, tem ciúmes. Só ama esses lobos do mar, com o peito peludo e a fala mansa que ela dá. Aí, eles voltam e contam tudinho para ela. E ela ri. Deixa ela e eles irem para o inferno!
- Ó Carminha, você é a pessoa que eu mais amo nesse mundo, a filha que eu não tive. Toma aqui, tudo o que essa veia tem. Já falei com o menino pra vir te buscar. Tu vai pra cidade linda. Brasília. Tem um telefone de uma velha amiga. Vá filha. Me dê aqui um beijo. Tira a mão dessa barriga, menina. O que foi, comeu demais?
Parada na estação rodoviária, com meia dúzia de roupa. Parada ali; Carmen. Linda do jeito que está, meio pensativa, soturna. Sempre com o olhar para baixo; pro umbigo. O boto tinha lhe posto uma semente; e dela Margarida iria brotar.


Se por acaso alguém tivesse tacado pedras na cruz, besuntados de ódio e heresias, não teria recebido mais estigmas que Margarida. Era fisicamente normal, andava; movia-se como um anjo. Cabelo preto, alinhado a serviço de seu rosto, com uma franja divinamente posta ali, fazendo uma moldura de um belo quadro de areia de alguma sereia. O mal lhe fora posto nas funções morais. Era autista, vivendo em seu próprio mundo, era cega também, tornando qualquer aspiração própria fora de questão. Mas fora tudo aquilo, a mãe a amava, com todas as forças. Passava horas penteando seu cabelo e falando sobre o mar e as paisagens. Como era o morro do Careca e todo aquele frisson ali na Beira-Mar. Mas por necessitar de cuidados especiais, ela tinha que ir para uma clínica, paga pelo Estado é lógico. Margarida era um caso raro e interessante para a sociedade intelectual a investir seus melhores pensamentos, e daí elaborarem sínteses e teses, tratados ou estatutos. O lugar onde Gida ia ficar era bom, calmo. Ficava à aproximadamente quinze quilômetros ou três ônibus e uma lotação. Bem na sua frente, com o emblema do Ministério da Saúde: Viveiros do Sol.

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