fausto

Estava sentado no lobby de algum hotel cinco estrela em Brasília, não podia se lembrar bem desde de quando esperava ali. Tendo que ouvir o inglês mal falado dos recepcionistas. O último cigarro que tinha, fumou, lógico. Fumar igual a esperar. Odiava hotéis, principalmente, por conhecê-los tão bem; passara boa parte da vida em um. Mas não como viajante, curioso por ver o que lhe espera em cada frigobar. Foi filho de um anônimo garçom, que o levava por não ter com quem deixar o menino. “Fica comportado aí, volto com um refrigerante”. Era uma frase marcante de seu pai: Felipe Corrêa. Enquanto o via como um maioral, o chefe dos garçons – que achava sofisticado por ser “jovem” em francês – seu pai guiava os belos rapazes com seus smokings marfim, talhados de rosas, com seus bigodes de penugem a cobrir a boca. Divertia-se como se tivesse em um balé, quando os via bailar. Exigindo o mais variados pratos, de filet à parmegiana à costelas de carneiro ao molho de hortelã. De vez em quando, eles faziam pedidos particulares, com ingredientes exóticos, com nomes dos quatros cantos do mundo. O príncipe Fretkov dizia, ou melhor, seu intérprete: “Como sobremesa comemos queijos, como o tvorog, uma espécie de requeijão ou o zelenyisyr, queijo verde muito picante, cremosos iogurtes, tortas, mousses gelados elaborados artesanalmente que se destacam pela sua variedade.

Alaor era o cozinheiro-chefe, ocupando como imediato de Pingüim, também conhecido como Felipe. Pingüim por que vestia preto, ao contrário, ou quase-contrário, que seus garçons. Sabia dizer sem pestanejar todas as notas dos solos de Charile Parker, o pássaro; que agradava enormemente os clientes que gostavam de jazz. Ele e seu pai eram como irmão, tanto que era Alor que o levava a escola, com que também seu pai dividia o quarto. Sempre ao caminhar pelo Setor de Hotéis sul, subindo para a W3, ele gesticulava que ele, Teodoro: “O mundo está na mão dos gulosos. Sabe aqueles bêbes muito gordinhos, que lhe dão agonia quando se bota o dedo entres suas juntas, sei lá, das coxas e eles com um olhar diabólico, espremem até sentir o osso. Argh, nojento. E essa gula insana, vai para o resto da vida! Querem comer, cada vez mais e melhor. Você vai aprender a agradá-los para que eles não te esmagam. Quer trufas de sobremesa?”.

Os dias se passavam assim, do hotel para a escola, da escola pra casa, da casa para o hotel. Morava na 504 Sul, em cima da W3 em um conjugado de dois escritórios. O que davam dois quartos, mais um sala, cozinha e banheiro. Em seu quarto, tinham duas janelas grandes, que deixava transparecer as duas pistas, mão e contra-mão,e os carros velozes, buzinantes, com seus passageiros que mais pareciam fantasmas, à noite, por parecerem sempre imóveis e resolutos. Passava horas de lendo um dicionário francês e nomeado cada estrelinhas com o nome que achasse mais chique – claro que garcon tinha sido a primeira; uma de cada vez, de um universo que o Big Ben se dava quando apagava as luzes, eram adesivos fosforescentes. Mas o que mais gostava do seu quarto era o retrato de sua irmã. Que há anos não via, pois tinha ido para o Rio de Janeiro com sua mão. um retrato de sua irmã mais nova, ou melhor, um retrato dos dois. Demorou a se reconhecer; com os cabelos lambidos, e olhar puro. Lembrou de uma vez em sua infância, em um dia ensolarado, um sábado à tarde. Seu pai estava em casa, sentado curvo dedilhava o piano. Estava bom, ele ia do agudo e passeando com os dedos até bater na porta dos graves. Como era bonito, seu pai algumas vezes parecia ser iluminado - mas apenas quando fazia coisas simples, corriqueiras. E chega sua irmã, Yeda, de colan de balé comendo aquele gostoso mash potatos, que a mãe fazia. "Hm purê de batata. A melhor memória que há, ou pelo menos a mais real, é a do estomago", pensou.
-Você quer pegar sua amiga; vá pegar sua amiga. Se você botar o purê na pontinha do nariz. - enquanto dava rodopios, sua voz de bebê menina docemente falava: - Você vai dançar como nunca dançou antes. Mash. E ria toda vez que olhava, e sentiu lá no fundo um remorso, uma nostalgia.

Comments

Anonymous said…
Ah não. Essa tá disparada de boa. Tem uma memória de quando sentamos em algum local de espera mesmo. Uma nostalgia, mas pra mim,gostosa nostalgia.

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