morte em veneza


Desse modo pensava Aschenbach em seu êxtase, essa era a dimensão do seu sentir. E o marulho das ondas e o brilho do sol teceram a seus olhos uma imagem sedutora. Era o velho plátano próximo aos muros de Atenas - aquela sombra sagrada, perfumada pelo aroma das flores do agnocasto, adornada de estátuas e oblações em honra das ninfas e de Aquelôo. O riacho muito límpido cascateava no cascalho liso aos pés da árvore de ramos estendidos; as cigarras ciciavam. Mas na relva em suave declive, onde se podia estar deitado mantendo a cabeça mais alta, dois homens estavam estendidos, protegidos do calor do dia: um velho e um jovem; um, feio, o outro belo; a sabedoria junto à graça. E entre a amabilidade e gracejos espirituosamente sedutores, Sócrates instruía Fedro sobre o desejo e a virtude. Falava-lhe da cálida emoção que surpreende o homem sensível quando seus olhos se deparam com um símbolo da beleza eterna; falava-lhe dos desejos lúbricos do ímpio e mau que não pode conceber a beleza ao ver sua imagem e que é incapaz de veneração; falava do temor sagrado que assalta um espírito nobre quando lhe parece um corpo divino, um corpo perfeito, de como ele então estremece e fica fora de si, mal se atrevendo a olhar, venerando aquele que possui beleza, disposto mesmo a oferecer-lhe sacrifícios como a uma estátua divina, se não temesse que o tomasse por louco. Pois a beleza, meu caro Fedro, e apenas ela, é simultaneamente visível e elevadora. Ela é - nota bem - a única forma ideal que percebemos por meio dos sentidos e que nossos sentidos possam suportar. Ou que seria de nós se acaso o Divino, a Razão, a Virtude e a Verdade se dispusessem a aparecer em nossos sentidos? Não iríamos sucumbir consumidos pela chama do amor, qual *Sêmele outrora de Zeus? Assim, a beleza é o caminho que conduz ao espírito o homem sensível - apenas um caminho, um meio apenas, pequeno Fedro... E então, aquele astuto expôs o mais sutil, ou seja, que o amante é o mais divino que o amado, pois o deus está presente, mas não no outro - talvez o pensamento mais terno e irônico que jamais foi concebido, fonte de toda malícia e da mais secreta volúpia do desejo.

thomas mann

*Sêmele era, segundo a mitologia grega, filha de e de Hermone e mãe de Dionísio. Teve amores com Zeus, a quem pediu para mostrar todo o seu esplendor, quando estava grávida. Morreu fulminada quando Zeus apresentou-se como deus olímpico, envolto em luz radiante.

Zeus então retirou do seu ventre Dioniso, colocando-o em sua coxa, onde terminou a geração.

Mais tarde Dionísio buscou Sêmele nos infernos, retirando-a de lá, promovendo a sua aceitação no Olimpo sob a condição de deusa. (wikipedia)


eu vivo por isso, disse Bassáltamo.

Comments

Anonymous said…
dionísio já me buscou.
no inferno. depois disso viramos amigos.
eu juro.
Renata said…
meu medo é o belo ser enxergado num de fora pra dentro. Cuidados com as materias.

Muito grata pela visita e pelo comentário =D

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