amor

AS MÃOS CHEIAS
[…LES MAINS PLEINES]


Aos inocentes

Se vos perguntassem, à queima-roupa
A inocência é uma virtude?
Eu cá não respondia
Tentava desconversar
Diria: «— Vossemecê já leu Cézanne?»

Algumas pessoas esquecem-se de mentir
E afirmam: «— Não faço ideia!»
Não podemos obrigá-las a todas.

Naturalmente, a inocência não é uma virtude
Porque, passado tempo, seria de desconfiar
A minha tia tinha imensas virtudes.
Ainda as tem. E ela é velha.

Os Gregos também tinham virtudes
E os Gregos não eram inocentes
Visto que guilhotinaram Sócrates.

É difícil de julgar, claro, nós não estávamos lá
Mas o mais seguro, em semelhante circunstância
É abster-nos de responder
E tentar desconversar...

Caso não se consiga, podemos sempre suicidar-nos.

9 de Fevereiro de 1948



§


BOM-DIA, CÃO
[BONJOUR, CHIEN]

Avisto na rua um cão
Digo-lhe: como vais, cão?
Pensa que me responde?
Não? Pois bem, mas ele responde-me
E isso não é da sua conta
Agora quando se vêem pessoas
Que passam sem sequer reparar nos cães
Sentimos vergonha pelos seus pais
E pelos pais dos seus pais
Porque uma tão má educação
É coisa que requer pelo menos... e não estou a ser generoso
Três gerações, com uma sífilis hereditária
Mas, para não vexar ninguém, devo acrescentar
Que um número considerável de cães não falam com
muita frequência

9 de Fevereiro de 1948


§


DE TANTO SE VEREM
[A FORCE DE LES VOIR]

De tanto se verem
Há palavras que vos poriam doentes
Palavras conhecidas mas muito perigosas de manejar
A não ser que sejam rodeadas de música
Também há quem meta açúcar nas amêndoas amargas
Palavras como areia, erva
Como sol, como deitados lado a lado
Como pele dourada, como cabelos louros
Como dentes brilhantes e lábios salgados
E depois outras palavras, ainda mais perigosas
«Ninguém à vista, podemos seguir»
E as mais perigosas de todas:
«É ainda melhor à quinta vez.»
Felizmente, que há carradas de aeronaves
A fabricarem fenomenologia a granel
E a meterem-vos bombas atómicas de atravesso pela goela...
Peço desculpa… o sopro da inspiração...
Não é todos os dias que a musa nos visita.

Comments

Bassáltamo said…
poesias de Boris Vian
* said…
como BV diría:
Je voudrais pas crever
Avant d'avoir connu
Brasilia!

indescriptível o carnaval no Rio
e maintenant duas semanas em Europa pra arrumar papeis

quando é que a capital está mais linda? você reconhece a cidade nº5? ainda estou de caminho

http://4x4x4x4.blogspot.com/2008/12/cidades.html

*
Poeta Punk said…
Maluco, gostei dessa maluquice!!!

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