epifania


Na manhã vindoura, é dourado o sol que ilumina a grama verde. O pés descalços sentem a terra em sua forma mais pura, úmida e fofa. O barulho dos pássaros compõe o que é belo, natural. Não pode olhar em volta, em um giro completo, pois, a grande cidade se encontra longe no oeste. Mas não quer olhar, sequer cogitar a sua volta, seu esperado retorno. Os pais esperam por sua vinda, bolo já feito, agora esperando a temperatura baixa; cobertura de chocolate na panela. A mãe, ereta, passa, de minuto em minuto, a mão por sobre as coxa, analisando, procurando por defeito, falhas. Se espera muito desse jovem, que com os cabelos enegrecidos, tende para a liberdade e o jovial. O carro vermelho o espera, sem tempo para nada, e com um medo indizível do tráfego. O ar é cinza como tudo, as retas revelam um modernismo planejado, uma revolução feita nos manuais. E no meio de tudo isso, um jovem no ápice de sua vida; agora, preste a jogá-la fora por um ordenado e uma sala com vista para o beco.
Na manhã que não veio, acordou por volta das dez; que clima agradável fazia aquele não-dia! Ainda de pijama, se apressou para o banheiro, onde viu seus cabelos alvos e poucos. Sentou-se na privada, desta vez com a tampa abaixada. Não conseguia fazer nada, nem ao menos sair do banheiro.
Não ousava sair de casa, e suas perspectivas, assuntos e papo furado ficaram cada vez mais estreitos, sem o mínimo de luz por onde guiar na viela sem saída que é a vida. Já não sabia distinguir o certo do errado, e a memória cada vez mais fraca, confusa. Um dia era 1945 e o outro 2009. As pessoas falavam com ele, às vezes as reconhecia, e o dia parecia promissor. As sombracelhas em pose indefinida, de espanto, de incredulidade marcavam a dura jornada de seus dias. Em um deles, passou – o dia - inteiro ao contrário, onde via pessoas correndo para suas casas em plena manhã produtiva, tirando as roupas para irem dormir ao meio-dia. Os amantes de quando se tocavam os lábios, foram para longe um do outro, se encontrar apenas em sonhos.

A guerra continua, e não há o mínimo sinal que ela vá cessar. Todo dia a fragilidade da vida humana, a carne mole que reveste a maquina perfeita criada pelo caos. O toque nunca acontece, o amor sim, puramente racional e fingido. Bobagem, tolices de um velho rabugento, que tem o coração congelado. Se ao menos eu ainda tivesse minha Bela. As lágrimas que já escorriam por sobre o queixo, verteram ao contrario para o fundo de sua mente, para lá virar sal e nunca mais sair. Mas isso é coisa que se diga ou fale.

A sala estava perfumada, a meia luz entrava pela janela iluminando apenas metade de sua cara, e ele parecia cruel. Fumou o cigarro em poucos tragos, era moda em 1962. Deu dois passou, pausou seu coração e o dela, e sem hesitar disse: Bela, você quer ?

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