de tarde

Era uma tarde detestável, chovia, o céu da cor de um cinza grafite, parecia que o final do livro preto estava se desencadeando. Trajava um roupão vermelho, sangue, para combinar com seu tédio incomensurável. Seguiu para seu escritório, serviu uma dose do cognac, e pegou uma cigarrilha, e enquanto fumava, analisa os livros de sua biblioteca; gostaria de algo fácil e leve para lhe entreter, um romance ou talvez um livro de poesias românticas, preferiu o segundo. Sentou-se confortavelmente na poltrona, abriu o livro em uma página qualquer e leu até a segunda estrofe, assentou o livro no colo e olhou para um quadro, que ficava logo à sua frente, que havia sido pintando em sua mocidade. Deu um trago na cigarrilha e soltou pela narina, delicadamente empossou o cognac e bebeu lentamente, arrastando os lábios um contra o outro. Sabia o que inconscientemente estava pensando, e não gostava. Espalhou-se pela poltrona, fechou os olhos e deixou o pensamento correr livres – várias cenas, vozes, cores, e todas elas confusas – e o pensamento podre, lestamente, lhe tomou a totalidade, e como era de um aspecto asqueroso. Esse pensamento era ele em sua própria companhia. Como era repugnante essa indesejada introspecção, como se sentia baixo. Todos os pecado lhe sendo jogados na cara por um interlocutor que sabia, em detalhes, todas as suas vilezas, cada palavra de calão dirigida a um inocente. E estapeava em sua cara habilmente, se desvencilhando de cada desculpa e sempre avançando, até chegar a poucos milímetros de sua face e lhe sussurrar palavras que de tão inquisitórias, fazem correr pela sua face gotículas de arrependimento. Em um gesto gentil, esticou o braço esquerdo e cravou no antebraço suas unhas da mão direita, e quanto mais cravava mais o pensamento ia longe, tanto que sumiu, e nessa hora olhou para o antebraço e escorreria um filete de sangue. Limpou com o lencinho, que tinham suas inicias, e tornou a ler o livro.

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