Carta de um filho


- O que é o amor verdadeiro?
- É o amor dos pais.
-De onde ele vem?
-Não sei. Eu os levo para aonde quer que eu vá. Pai do lado direito, meu braço direito, conselhiro e Mãe nos esquerdo, meu ponto fraco, meu sentimento incabível e infinito; a pessoa que eu mais gosto de beijar no mundo inteiro.


Ao Doutor,

Como te vejo? Às vezes não o vejo, te sinto. Tuas mãos hábeis passando duas ou três vezes no meu cabelo e um beijo caloroso dessa bocarra. Os olhos são da cor de duas madeiras escuras e densas; mas não impenetráveis, são as suas convicções de moral e humanidade que os deixam assim: sóbrios.

Por ter lido demais e pensado também, nunca consegui acreditar em Deus. Quando li David Hume, o pai do Impirismo, ele ressaltou uma visão que faz todo o sentido para mim. Dizia ele que o ser humano é humano, é como tal só poderá pensar coisas advindas de experiências reais, o externo se dando contra a racionalidade humana; e quando vá se falar de coisas fora da humanidade não se faz nada menos que multiplicar esses valores. Tendo a concepção de divino como algo belo, bondoso, carinhoso, e imagina Deus infinitamente isso; só poderá ser algo que se experienciou multiplicado pelo maior valor que se cabe nessa nossa pequenez. E pai, você é esse Deus para mim, minha muleta, meu sagrado-profano. Penso em ti como alguém muito bom, correto; e és o máximo que posso pensar, de tão ilibada que é tua postura perante os outros.

Vejo agora que finalmente a tocha da evolução foi passada em mim, quando analiso nossa relação. Antes tinha medo de tudo, ficava ansioso querendo ver o nascer do sol, e quando este chegava gostaria de vê-lo se pôr. Mas ao ter considerar como anteparo as minhas condutas sociais, morais e espirituais, vi que sou você – ou pelo menos me espelho em ser, adaptando ao meu jeito. E vi que está tranqüilo, que viu que seu trabalho foi realizado com êxito, e que você moldou um ser humano que estava muito preparado para ser também moldado pelo mundo, sem perder, é claro, o cerne.

Caráter pai, e isso que eu vejo hoje que absorvi. E de molde tão perfeito que vou, se agraciado com a paternidade, passar adiante. Vejo a morte, como apenas o fim da vida material, mas o ícone que se cria, o subjetivo fica eternamente. E quem falou que o pensar não vive, ele é o mais orgânico de todos. E daqui muitos anos quando olhar para o meu filho e o ver, estarás lá, mas não com as mão sedosas, o calcanhar de cebola, os pêlos que tem no pulso – aqueles fiapinhos -, verei você nas atitudes, que já me flagrei várias vezes executando. E é isso o que se leva do mestre maior, o progenitor, a leveza de viver a vida corretamente, simplesmente não fazendo mal aos outros e tentando, a medida do possível, fazer o bem, no sentindo amplo e simples que o fazem ser mágico e vital para o mundo louco em que vivemos. Essa é a lição que captei, e se hoje sou virtuoso é por ti. Da vida não tenho medo mais, fui bem treinado.

Com amor,

Tua semente.

Comments

Poeta Punk said…
Lindo....é o amor mais verdadeiro que se pode sentir nessa vida!!!!
Bina Goldrajch said…
Nossa, que post mais lindo e PERFEITO.
Me fez os olhos se encherem de lágrimas e senti saudades do meu pai.
Se ele estivesse aqui comigo ainda, essas palavras seriam as palavras perfeitas para dizer a ele.
Pais são incomparáveis.
Senti vontade de agarrar minha mãe também. Que delícia é aquele abraço. O maior abraço do mundo...
Bina Goldrajch said…
Adicionei teu blog na minha lista deblogs favoritos lá.

Popular posts from this blog

2 0 0 9 20 0 8 0 6 crisanta

Seiva Bruta

VoltaatloVoltaatloVoltaatloVVoltaatloVoltaatloVoltaatloVVoltaatloVoltaatloVoltaatloV