"meurs ou tue!" *

Lentamente abriu os olhos, de certo acordou com os latidos dos cachorros vadios que rodeam qualquer lugar. Esfregou a cara com as mão, não sem lembrava o que havia sonhado a instantes atrás. Se sentia terrívelmente mal. Sentou-se então ao piano, e começou a frasear; tocava particulamente bem. Ao transitar pelos agudos fazia soar um som fresco e cheio de vida - que ao fechar os olhos, podia sentir o cheiro de uma aléia completa, com uma diversidade imensa de flores, e acariciar os cabelos cacheados e loiros de um pequenho querubim que ali passeava e que, serelepe acompanhava o ritmo com pulinhos, acompanhado por anjos que tocavam trombetas ao seu redor. Ao passar para os graves sentia um pesar no peito, que de alguma forma lhe agradava, e passou assim, um tempo incontável se deleitando, escorregando seus dedos pelas teclas, brincando com as nuances, e com os olhos cerrados, sentia todo o significado que tocava; no entanto, a música chegou ao seu ápice e percebendo agora que, quase batia no instrumento, gotículas de suor passeavam por sua fronte; começou a chorar por dentro, chorava copiosamente, porém, sem derramar uma lágrima; no fundo já sabia. Aquilo durou por mais ou menos meia hora, quando quase que organicamente a música pôs um fim em si, e então, tocando a última nota, viu seu dedo - o mindinho - suavemente escorregar ao longo de toda tecla, até que no último momento possível se soltar dela. O som ainda ecoava na sala, quando ele, pegou em sua escrivania um cigarro e acendeu. Fumava vagarosamente; consegui absorver todos os sabores, as combinações imperceptíveis de grão. Quando chegou o cigarro a sua última tragada, olhou fixamente para a brasa e aproximou ao pouco a brasa de sua mão; a quentura foi se sentida cada vez mais, a dor era imensa; enfim, o contato foi feito em sua pele - sentia ela se abrindo como uma bela lótus -, os maxilares estava se degladiavam; uma guerra épica. Viu o vermelho deixado pelo seu ato, deu um sorriso com o canto da boca - prazer que só é apreciado e entendido pelos masoquistas, mas apenas os que se dedicam seriamente a isso. Calmamente pegou a pistola debaixo de seu travesseiro, colocou-a em suas têmporas e apertou o gatilho, ainda ouvindo ecoar o som da última nota.

*Corneille

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